Entre os meses de abril e maio de 2021 foram publicadas diferentes pesquisas acerca das mortes de trabalhadores ao longo dos últimos 12 meses. Elas indicam quais profissões registraram o maior número de desligamentos de trabalhadores por óbitos justamente no período correspondente ao início e desenvolvimento da pandemia do novo coronavírus no Brasil. 555r6d
Há nas pesquisas uma lacuna importante, a qual iremos abordar mais à frente. Porém, ainda assim, os números indicam a aplicação rigorosa e persistente do genocídio contra a população brasileira. O governo militar genocida de Bolsonaro e generais que o rodeiam assim agiu quando deixou de aplicar as medidas de distanciamento, de auxílio emergencial de, no mínimo, R$ 1.000, e outras. Em sua falácia de “combate aos dois problemas, vírus e desemprego”, buscou, durante todo o período, mascarar essa essa realidade – que hoje é inegável.
Desligamentos por morte crescem
As pesquisas indicam que diferentes grupos de trabalhadores encontram-se em situação de vulnerabilidade. As profissões que registraram mais óbitos em decorrência de Covid-19 são trabalhadores ligados ao comércio varejista, às redes de supermercados, à construção civil (pedreiros e serventes de obras), dentre outras.
O boletim “Emprego em pauta” número 18, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), publicado no dia 14 de maio, traz a divulgação dos casos de desligamentos em empregos por morte que registraram um enorme e assustador aumento. No período de 12 meses (do primeiro trimestre de 2020 até o mesmo período do ano seguinte), a média geral dos desligamentos por morte cresceu 71,6%. Os números oficiais registrados pelo instituto aram de 13,2 mil (no período pré-pandemia) para 22,6 mil trabalhadores que perderam a vida no período recente.
O número de mortes de profissionais de saúde assume um destaque. Cresceram os desligamentos por morte entre médicos, com um aumento de 204%. A mesma situação viu-se entre enfermeiros, ando de 25% para 54% (aumento de mais de 100%).
O Amazonas aparece no estudo do Dieese registrando uma taxa enorme de morte dos trabalhadores do setor da saúde. As mortes entre enfermeiros e médicos aumentaram em 1.000%. E trabalhadores de outros serviços de saúde, englobados na categoria “atividades de atenção à saúde humana”, apresentaram 850% de aumento.
O estado nortista apresentou também o absurdo número de 613 mortes de trabalhadores. O dado representa variação de incríveis 437% em relação ao ano anterior. No início de 2021, esse mesmo estado foi a vitrine do genocídio planificado do governo Bolsonaro/generais e que viveu semanas de falta de leitos e de desabastecimento quase completo de oxigênio.
Porém, o registro de desligamentos de seus empregos por decorrência do falecimento do trabalhador não para nos serviços relacionados à saúde.
Na pesquisa do Dieese, as ocupações que registraram maior aumento no número de desligamentos por morte foram aquelas relacionadas a serviços ligados à informação e comunicação (124%). Também foram afetados os trabalhadores da educação (com 106%), transporte, armazenagem e correio (com 95%), atividades istrativas e serviços complementares (78%), e saúde humana e serviços sociais (71%).
Norte registra maior mortes de trabalhadores
Outros estados também apresentaram variação acima de 100% do total de trabalhadores desligados por conta de seu falecimento. É o caso de Roraima (que registrou aumento de 177%), de Rondônia (168%), e do Acre (109%). O Rio Grande do Sul também registrou enorme aumento no número de desligamentos por morte: 99,8%.
A Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), órgão ligado ao governo de Minas Gerais (MG), divulgou a quantidade de contratos de trabalho formal encerrados por morte no município. No estado de MG, o aumento registrado foi de 908 mortes em relação ao ano anterior.
Caminhoneiro, faxineiro e comerciante: as maiores taxas
Em toda a Minas Gerais, a profissão de motorista de caminhão foi aquela que registrou maior número de desligamentos por morte, com 373 trabalhadores mortos. Em seguida aparecem os faxineiros, vendedores do comércio varejista, serventes de obras e porteiros de edifícios.
A própria diretora da Sedese, responsável pelo estudo, indicou que as mortes relacionam-se com a não possibilidade de trabalho remoto (home office). Afirma também que a pesquisa não teve o direto à causa da morte, mas somente ao fato de que o trabalhador morreu e que, por isso, encerrou-se seu contrato de trabalho.
Demissão ou morte, duas opções cruéis
O instituto Lagom Data divulgou em estudo os dados referentes à relação entre demissões e mortes no período do genocídio planificado e executado pelo governo Bolsonaro/generais. Grande parte daquelas ocupações que registraram mais mortes concentraram também menos demissões. Outras ocupações, em menor número, registraram tanto mais demissões como também mais mortes.
No primeiro grupo, que registra mais mortes e menos demissões, encontram-se os funcionários de postos de gasolina, com aumento de 97% de desligamentos por morte. Também estão incluídos os trabalhadores de limpeza em prédios e domicílios (empregadas domésticas, por exemplo), com aumento de 78% nos desligamentos, e os funcionários de teleatendimento, com 57%, além de outras ocupações.
O grupo que acumulou mais demissões e mais mortes concentra os comerciantes varejistas de mercadorias em geral (como por exemplo trabalhadores de supermercados), com taxa que varia entre 60 e 75% de aumento no desligamento de trabalhadores por morte. Outro conjunto de trabalhadores que se enquadra nesse grupo são os empregados por tempo definido, ocupação que registrou 78% de aumento nos desligamentos por mortes. Também se encontram os operários que trabalham na construção de rodovias e ferrovias, com 66%. A relação entre mais demissão e mais mortes indica a conclusão, entre outras, de que essas são as profissões mais vulneráveis no País (abarcando somente aquelas de carteira assinada).
Trabalhadores informais são ignorados
A insuficiência desses estudos reside em que eles partem do número de trabalhadores desligados de sua função por morte. Dado que, por sua vez, é obtido a partir do registro dos trabalhadores mortos que tinham carteira assinada. Dessa forma, fica de fora a grande massa de trabalhadores informais.
Essa parcela do proletariado e semiproletariado do país, submetida à maior e mais brutal exploração, é frequentemente invisibilizada: sem direitos trabalhistas garantidos, sem possibilidade de fazer o trabalho remoto (simplesmente porque, a rigor, o trabalho é buscado a cada dia).
Aparece, portanto, uma lacuna intransponível, e a capacidade de quantificação do processo de genocídio em curso por esses estudos se mostra, portanto, limitada. O próprio Dieese reconhece o fato e indica em nota que “a maioria dos trabalhadores não consta na base de dados” utilizada para a produção do boletim – fato que, mesmo repetindo-se em todos os estudos, não é reconhecido e nem ao menos indicado.
Clóvis de Moura afirmava que a história do trabalho do Brasil ainda não havia sido escrita. A inexistência (planejada e persistente) de estudos e pesquisas sobre as condições de vida dessa parcela da população brasileira feita pelos grandes centros de produção de dados nos indica que se trata mesmo de opção por deixar no subterrâneo esses milhões de miseráveis.
Dessa forma, o poder do dinheiro representa a própria possibilidade de produção acadêmica e desenvolvimento científico em um país dominado. Mantém-se escondido o inaceitável para evitar a eclosão de protestos e rebeliões que, sabidas suas raízes, seriam justificadas.